Entrevista com estudantes da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) que tiveram sua casa, nomeada “Quebrada do Guevara”, invadida pela PM na madrugada do domingo, dia 3 de junho
9 de junho de 2012
Causa Operária: O que acontecia na noite de 2 de junho na moradia dos estudantes da universidade federal que estaria a serviço da integração latino-americana?
Estudantes: Celebrávamos o aniversário de um companheiro. Éramos cerca de 25 estudantes em volta de uma fogueira na área externa da moradia, ainda na noite de sábado, 02 de junho.
Para os estudantes esses são momentos significam também a integração dos estudantes da residência estudantil, já que no decorrer do encontro, outros moradores desciam para o local. Até a chegada dos policiais.
Causa Operária: A polícia tinha mandado ou alguma ordem judicial para entrar na moradia? Quantas pessoas foram presas? Quais as acusações?
Estudantes: Não havia ordem judicial. Por isso o esforço em tirar as pessoas de detro do prédio, arrastando-as para fora.
Oito pessoas foram presas, sendo três brasileiros e cinco estrangeiros. Dentre eles, uma mulher, que não foi abordada por policial feminina. Todos presos e acusados de flagrante em perturbação a ordem.
Causa Operária: Os policiais questionaram a ideologia dos estudantes, ou a participação de vocês em movimentos sociais?
Estudantes: Sim. Um estudante, ao se declarar venezuelano sofreu insultos ao ser chamado de ditador. Um equatoriano, ao se declarar estudante de sociologia foi agredido aos gritos pelo policial que berrava: Marxista! Marxista!
Causa Operária: Houve ameaça de deportação contra os estudantes estrangeiros?
Estudantes: Sim. Aos estrangeiros, os policiais diziam que seriam enviados embora para seus países e em tom ameaçador diziam que a partir de agora eles estavam conhecendo com quem eles estavam lidando. Seguindo as ameaças, os policiais diziam que se encontrariam a sós com cada um deles.
Causa Operária: No vídeo divulgado na internet, é possível ver a violência da policia, com pessoas sendo arrastadas, golpeadas com cassetetes e chutadas. Como os estudantes reagiram? E como definem a ação da Polícia?
[Tudo é possível ver no vídeo do circuito interno que tem a integra da ação da polícia contra os estudantes: http://www.youtube.com/watch?v=pCFa2m_serU ]
O vídeo deixa claro. Os dez primeiros minutos da gravação mostram uma tentativa de negociação entre policiais e estudantes. Durante esse trecho do vídeo pode-se observar que os alunos apresentam seus argumentos e os policiais os deles.
Logo após esses dez primeiros minutos inicia-se o empurra-empurra, golpes de cassetes são desferidos contra os alunos.
É possível perceber um jovem imobilizado por dois policiais e um terceiro policial desferindo socos na altura do abdômen de um universitário.
Aos 12 minutos, se vê que durante uma discussão, dois policiais tentam pegar um estudante pela camisa. Ele consegue escapar e os militares seguem atrás, até que mesmo sob os visíveis apelos de outro estudante, conseguem levá-lo para fora, onde o imobilizam.
Na sequencia uma estudante vai até a porta e é empurrada por um policial para fora do prédio.
Aos 13 minutos uma pessoa quebra a vidraça [a porta do prédio] com uma voadora dada de fora para dentro do hotel. É difícil precisar se é um policial ou estudante. Contudo, esta cena desmente o que foi dito pelo comando da Policia Militar a alguns órgãos de imprensa de Foz do Iguaçu: “Um dos alunos saiu correndo da moradia e chutou a porta de vidro”, declarou ao jornal Gazeta do Iguaçu, o major Elias Ariel de Souza. Ainda, conforme a reportagem do mesmo jornal, somente a partir deste momento a PM precisou conter a “desordem” com o pelotão de choque. Fato desmentido com as imagens, já que o pelotão de choque já estava agindo com violência antes da quebra da vidraça.
Com a porta quebrada, os policiais passam a imobilizar os jovens sobre os estilhaços de vidro. Neste momento fica nítido o desespero dos demais alunos. Na sequência, outro jovem é violentamente jogado no chão, também sobre o vidro estilhaçado.
Enquanto retiravam um estudante do interior da moradia sob golpes de cassetete, um dos policiais ainda chuta um dos alunos que já estava deitado no chão, imobilizado, do lado de fora da casa.
A gravação também retrata que nem mesmo as mulheres foram poupadas da agressividade policial. Elas também foram golpeadas e arrastadas.
A ação da policia foi truculenta e covarde. Durante o espancamento, se salvou quem conseguiu fugir para os quartos, ouve três disparos de arma de fogo, o que fez muitos jovens se esconderem em banheiros e deitarem no chão com medo de uma invasão nos andares de cima, a todo o momento todos se questionavam o porquê daquela atitude primitiva vinda dos policiais.
Causa Operária: Os vizinhos depuseram em favor dos estudantes?
Estudantes: Sim, os vizinhos nos apoiaram ao relatar o que presenciaram.
Eles nos contaram também que só perceberam a nossa celebração a partir da presença da polícia na moradia.
Causa Operária: É a primeira vez que esse tipo de coisa acontece com estudantes da Unila?
Estudantes: Sim. É a primeira vez que ocorre uma invasão policial em residência estudantil na universidade. Diante da violência que Foz do Iguaçu carrega, a agressão sofrida pelos 8 estudantes e a invasão da residência de mais 52, marca um processo da universidade na cidade, ao avaliarmos a diversidade cultural implementada em Foz após receber seus primeiros alunos em 2010.
Causa Operária: O caso da Unila se dá no momento em que a presença da Polícia Militar está sendo questionada nas universidades, especialmente na USP, por motivos que a cada dia se tornam mais óbvios. Até mesmo a ONU sugeriu que a PM fosse abolida no Brasil. Vocês poderiam comentar esse fato?
Estudantes: Segundo dados da Folha Online vinculados em 2008, o Brasil é o país na América Latina que menos possui alunos em faculdades públicas. Os estudantes, após virem de uma educação de base desvalorizada, deparam-se com medidas ''temporárias'', como Prouni ou as cotas para alunos vindos de colégios públicos. É comemorado como uma grande vitória ingressar em uma universidade publica e fazer parte de uma minoria que teve a chance que seus pais e muito menos seus avós tiveram.
Mas dentro da universidade, o descaso não para. As greves exigindo condições básicas do governo demonstram isso. Há uma desestruturação geral. E, atualmente, estamos acompanhando quase que diariamente a violência desempenhada contra aqueles que o governo gosta de chamar o “futuro do país”'. Estudantes abertos ao dialogo como ocorreu na Unifesp são levados para a delegacia dentro de um ônibus cedido pela própria universidade, reprimidos e oprimidos com a força física. Esquece-se que dentro da universidade o confronto é de ideias, esquece-se que a universidade não é um campo de concentração ou de treinamento para guerra.
Ser universitário neste momento no Brasil é sinônimo de desesperança.
O que ocorreu em Foz do Iguaçu, dentro de uma moradia estudantil da Unila, a partir de uma denúncia de perturbação que sequer foi registrada no boletim oficial da polícia; o que ocorreu dentro do campus da USP; e o que atualmente ocorre dentro da Unifesp é absurdo. Estão acabando com tudo através do cassetete do policial. Não se sabe exatamente qual é o objetivo final da agressão física, e joga-se no ralo séculos de estudo sobre os efeitos da tortura e da punição.
Especialmente na Unila, vê-se a vontade da integração latino-americana. Jovens saem de seus países, muitos já vem de outra universidade e se deparam com um projeto empolgante. Porém o próprio sistema o está tornando duvidoso.
A Unila divulgou nota sobre o ocorrido apenas após a pressão de alguns professores e alunos, e tardiamente (na quarta-feira, dia 06 de junho), enquanto que, na segunda-feira, dia 04, procurada pela imprensa, disse que não se manifestaria, que, pelo entender da reitoria da universidade, tratava-se de um problema particular, ocorrido fora do horário de atividades.
Diante de todos os fatos envolvendo universitários, diante do que acompanhamos diariamente sobre a ação errônea da polícia, deve-se refletir a partir de que ponto a força armada deveria ser utilizada.
Causa Operária: Pelo que vocês estão lutando agora?
Estudantes: Além de lutarmos pela apuração dos fatos em base de provas concretas como os registros coletados, os vídeos, lutamos por um espaço na cidade de Foz do Iguaçu.
A cidade que por sua localização caminha de encontro com a proposta da universidade (a de integração), demonstra através de gestos como os efetuados por parte da polícia, um extremo nível de violência. O qual está submetido qualquer estudante. E este, já conformado com tamanha brutalidade, compreende que a violência sofrida pelos estudantes, só acrescentam os números de ocorrências da cidade.
A forma com que a polícia tratou a ocorrência, não diferenciou um estudante de um bandido, não estabeleceu a ordem com três tiros ao alto e tampouco combateu algum tipo de crime.
Tudo o que presenciamos nesta Moradia na madrugada de domingo, dia 3, relaciona o ato à proposta de abolição da Polícia no Brasil; fortalece as redes que vêm sendo estabelecidas com estudantes de outras universidades federais e nos aproxima da realidade que Foz do Iguaçu tem com a polícia, quando esta se dispõe a agredir quando ainda é possível conversar.
Declaramos que nossa luta não se encerra com a anulação desses atos. Embora recém-chegados, estamos inseridos neste contexto e dispostos a partilhar nossos sonhos com a comunidade de Foz do Iguaçu. A convivência pacífica e generosa entre os povos é a tradição simbólica que qualifica esta cidade como a principal fronteira que, unida pela ponte da Amizade e banhada pela beleza das cataratas, constitui uma das regiões mais belas e pacíficas do mundo.
Estamos aqui porque fazemos parte de um projeto que visa fortalecer os laços que unem estes povos. Somos os primeiros filhos dessas jovens democracias que começam a florescer na América Latina. Nossos pais nasceram antes dessas democracias e nos ensinaram a abominar a ditadura.
O que aconteceu com os estudantes da "Quebrada do Guevara" foi a reedição de cenas vividas nessas ditaduras, e tendo os policiais agido com os mesmos métodos e os mesmos insultos de décadas atrás, reiteramos nosso repúdio à essa ação criminosa praticada por delinquentes fardados contra estudantes.
Fonte:
http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=36630